Um dos períodos mais importantes para o desenvolvimento do Amazonas sem dúvida foi o período da borracha. Com a indústria precisando do nosso látex, conseguimos galgar destaque internacional. Um bom administrador, com seus projetos mirabolantes, que até hoje encantam o mundo inteiro, não perdeu tempo e fez a maior modernização histórica que o Amazonas já se teve notícia.
A Belle Époque (bela época, em português) foi um período histórico-cultural de muitos avanços tecnológicos que surgiu após a Segunda Revolução Industrial, na Europa, no final do século XIX (1860-1870) e durou até a eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1914. A partir da primeira guerra mundial, e com a biopirataria que sofrera o Amazonas, a borracha foi perdendo espaço pra competição internacional, até o declínio total. Muitos que ficaram milionários com a seringa, acabaram empobrecendo e indo embora.
A Belle Époque durante o período áureo da borracha , trouxe o espírito europeu à Amazônia e marcou nossa história como uma época de profundas transformações culturais que se traduziram em novos modos de pensar e viver o quotidiano.
O jeito de enxergar o mundo estava mudado, estava cada vez mais acelerado. Se antes as pessoas esperavam meio século para ver algo inovador, em poucos anos viram surgir a eletricidade, o automóvel, o avião, o cinema,o rádio, a televisão, uma variedade de eletrodomésticos, o telefone, o tensiômetro, a penicilina e sobre tudo a coca-cola.
Foi considerada uma era de ouro da beleza, inovação e paz entre os países europeus. Novas invenções tornavam a vida mais fácil em todos os níveis sociais, e a cena cultural estava em efervescência: cabarés, o cancan, e o cinema haviam nascido, e a arte tomava novas formas com o Impressionismo e a Art Nouveau. A arte e a arquitetura inspiradas no estilo dessa era, em outras nações, são chamadas algumas vezes de estilo “Belle Époque”. Além disso “Belle Epóque” foi representada por uma cultura urbana de divertimento incentivada pelo desenvolvimento dos meios de comunicação e transporte , que aproximou ainda mais as principais cidades do planeta.
Esse movimento artístico cultural chegou à Amazônia durante o ciclo da borracha, quando uma pequena parcela do enorme lucro do comércio internacional do látex era usada pela elite dirigente local para construir uma insossa Paris Tropical.
O principal marco material dessa época é o Teatro Amazonas, um projeto que tentava imitar a vida cultural parisiense e cuja pedra fundamental foi lançada no dia 14 de julho de 1884, exatamente a mesma data em que se comemorava, na França, o 95º aniversário da Queda da Bastilha. Essa ridícula macaqueação chegou ao ponto de inserir as datas francesas na história amazonense para fingir que por aqui, “Les jours de gloire est arrivé”, como diz a Marseillaise, o belíssimo hino francês.
Assim como o Teatro, as obras públicas eram projetadas para beneficiar os beneficiados, um grupo que misturava gente de bom nível cultural com um enorme contingente de ignorantes endinheirados que fingia gostar de ópera e teatro. Até hoje é possível ver algo similar. Pessoas que não tem uma certa “cultura”, mas fingem pertencer à uma classe social dominadora.
IMITAÇÃO PERVERSA
Esse plágio sócio-cultural, além de ser absolutamente incompatível com a identidade amazônica, ainda afundava o Estado em pesadas dívidas contraídas no exterior para erigir um progresso fictício que favorecia a corrupção. Os que denunciavam essa degradação moral, eram perseguidos e, entre esses heróis da resistência, está entronizada a figura de Heliodoro Balbi, que teve seu mandato de deputado cassado por proferir, na Câmara dos Deputados, no Rio de Janeiro, a contundente e definitiva frase: “O Amazonas é a Calábria da Pátria”. Morreu refugiado no Acre, em 26/11/1919. Só mais um lembrete sobre o assunto. A Praça Heliodoro Balbi , em Manaus, é a comumente falada “Praça da Polícia”.
Voltando ao raciocínio, nessa escalada para beneficiar os beneficiados também se construiu o Palácio da Justiça, se importou um prédio para sediar a Alfândega, um relógio suíço para ser o Relógio Municipal, e até chegou-se ao ponto de contratar o arquiteto Gustavo Eiffel (o mesmo da famosa Torre), para elaborar o projeto do Mercado Público Municipal.
Essa frivolidade insana era incompatível com a Manaus de então, onde a quase totalidade dos habitantes não tinha dinheiro para frequentar o Teatro, não tinha acesso à justiça, não usava bens importados pela Alfândega e não tinha poder aquisitivo para comprar seus alimentos no sofisticado Mercado. Um dos marcos da futilidade foi a importação de pedras (para pavimentar ruas, calcadas e praças) e árvores (frutíferas e de arborização).
A CENA E OS BASTIDORES
Na cena principal, os ricos e endinheirados, só usavam artigos importados e se divertiam em clubes de luxo ou assistindo peças de teatro e ópera. Com algum sadio devaneio é possível imaginar abastados seringalistas, “coronéis de barranco” e opulentos comerciantes, acompanhados das esposas semi ou totalmente analfabetas, usando caríssimas roupas européias, chegando ao Teatro, em carruagens douradas, para assistir um espetáculo oferecido para uma platéia boquiaberta e cheia de admiração subserviente por artistas que falavam uma língua que ela não entendia.
Nos bastidores sem charme a vida era marcada por uma perversa exclusão social, com os pobres morando na periferia aonde nunca chegou iluminação pública, água encanada, trilho de bonde, logradouros públicos bem cuidados, ruas arborizadas e calçadas, etc.
A cena e os bastidores são marcados por uma perversa distribuição de miséria e uma opulenta concentração de riqueza que chegou ao ponto de importar até mesmo as prostitutas (francesinhas, mademoiselles, polacas, etc.) porque as putas caboclas, índias e nordestinas (marafonas, mariposas, patuscas, mulheres de vida fácil) não eram dignas de saciar a sodomia dos ricaços.
A edição de 02/02/1906 do centenário Jornal do Commercio de Manausinformava que o salário do trabalhador em Manaus era de 6 mil reis por dia, insuficiente para atender as necessidades da família. Em outro trecho da reportagem, diz o jornal: “É um horror! A cidade está cheia de indigentes que vivem ao sol e à chuva, pelos jardins e por todos os cantos da cidade, muitos atacados de febre e beribéri”.
O ciclo da borracha teve seu fim exatamente como se encerram todos os sistemas econômicos alicerçados no modelo “barata voa”, isto é, ao menor sinal de perigo todo mundo se manda.
Ficaram por aqui os noveaux riches que viraram noveaux pauvre e passaram a clamar pela internacionalização da Amazônia sem se importar com os excluídos da periferia da cidade, do hinterland e, principalmente, dos seringais habitados por nordestinos que Euclides da Cunha tipificou como “o homem que trabalhava para escravizar-se.
LIVROS QUE RETRATAM BEM ESSE PERÍODO E QUE É FUNDAMENTAL PARA QUEM QUER SABER DETALHES SOBRE A BELLE ÉPOQUE
Quem quiser fazer uma proveitosa caminhada por esse tema da história amazonense deve ler, pelo menos, os seguintes livros:
- Agnello Bittencourt (Corographya do Estado do Amazonas);
- Ana Maria Daou (A belle époque amazônica);
- Antonio José Loureiro (Síntese da história do Amazonas);
- Ednéa Marcarenhas Dias (A ilusão do fausto. Manaus 1890-1929);
- Etelvina Garcia (Amazonas, notícias da história);
- Genesino Braga (Fastígio e sensibilidade do Amazonas de ontem);
- José Fernando Collyer (Crônicas da história do Amazonas);
- Marcio Souza (Breve história do Amazonas);
- Mario Ypiranga Monteiro (Teatro Amazonas);
- Paulo Marreiro Santos Junior (Pobreza e prostituição na belle époque manauara: 1890-1917);
- Otoni Mesquita ( Manaus- História e Arquitetura 1852-1910);