No ano de 1901 uma tragédia passional atingiu a cidade de Manaus. Dessa tragédia, o nome de uma jovem foi e será para sempre lembrado : Etelvina Alencar. Etelvina Alencar foi uma jovem nordestina de 17 anos de idade, sacrificada brutalmente as mãos de um conterrâneo seu, o qual deixaria se dominar por estranha e mórbida paixão.
Em 1901, por meio da Lei Municipal 233, de 30 de agosto, o então superintendente Arthur César de Araújo concedeu uma área no Cemitério São João Batista para o sepultamento da jovem cearense Etelvina de Alencar, vítima de um crime passional ocorrido em 9 de março daquele ano, na antiga Colônia Campos Salles, assassinato que causou comoção geral na cidade.
Ao longo dos anos, vários milagres de curas de doenças foram atribuídos a Etelvina, também conhecida como Santa dos Estudantes. Apesar de a população tê-la santificado, sua canonização nunca ocorreu.
Em 16 de setembro de 1964, a Prefeitura autorizou uma construção de um mausoléu para Santa Etelvina, até hoje um dos jazigos do Cemitério Municipal São João Batista que mais recebem visitantes no Dia dos Finados. Em 1984, a área onde existiu a Colônia Campos Salles passou a ser denominada bairro Santa Etelvina.
Sobre a “santa” Etelvina, reproduzo um trabalho do historiador Júlio Uchoa (da Associação Amazonense de Imprensa), divulgado no Jornal do Commercio, de 15 jan. 1956, em sua coluna Homens, Coisas e Fatos.
Escrevemos, em 1947, algumas notas sobre Etelvina de Alencar, jovem nordestina de 17 anos de idade, sacrificada às mãos de um conterrâneo seu, o qual se deixara dominar por estranha e mórbida paixão. Isso em princípio de 1901.
Descreveu o doloroso acontecimento, de extraordinária repercussão em todo o País, um inspirado bardo popular que enfeixou, em um folheto, sua magnífica produção. Muitos anos volvidos após sua divulgação, caiu sob nossas vistas um exemplar desse livrinho.
E, foi assim que ao historiador forneceu o poeta os elementos indispensáveis à elaboração do citado trabalho, conservando aquele, desta feita, como da vez anterior, o mesmo sentido trágico e humano dado por este à sua impressionante narrativa.
Filha de Cosme José de Alencar e Antonia Rosalina de Alencar, Etelvina nasceu em Boa Vista do Icó (CE), em 1884, vindo para Manaus em companhia de sua genitora, já então viúva, e de três irmãs, sendo uma destas casada. Desta capital se transportou a família à Colônia “Campos Sales”, inaugurada dois anos antes, onde se ia dedicar aos labores agrícolas.
Na colônia, Etelvina veio a conhecer o colono de nome José que logo a primeira vista por ela se apaixonou, seguindo-se o ajuste de casamento. Cedo, porém, a desilusão: a jovem fez saber a José [que] não mais desejava casar–se com ele, desfazendo-se, deste modo, os compromissos assumidos anteriormente.
Grande abalo produziu no espírito de José o rompimento do noivado. Meio pequeno, constituído como que de uma família, a notícia provocou sensação. Houve mesmo quem afirmasse que Etelvina possuía três namorados: Antonio, Estevam e Henrique. Tudo isso ouvira José e dando crédito às intrigas que lhe contavam, jurou vingar-se, não só da ex-namorada, mas, igualmente, dos três rapazes que imaginava causadores de sua infelicidade. E tudo planejou, fria e demoradamente.
Veio à cidade, onde adquiriu um rifle e farta munição. Mataria a todos, dissera ele a amigos. Estávamos em março de 1901.
E, assim, aconteceu. Mal entrava na área da colônia, alveja a tiros a Estevam, que descuidado não esperava a agressão; ao primeiro disparo ele corre, procurando se desvincilhar do assassino; um segundo tiro, porém, prostou-o sem vida. Mais adiante, estava Henrique, com quem José trava violenta luta corporal; subjugado o adversário, abateu-o a tiro. Um pobre caboclo, que dormia à sombra de uma árvore próximo à casa da administração, é a terceira vítima da fúria sanguinária do celerado.
Cometidos os três crimes, José se dirige à residência de Etelvina, e, valendo-se do coice do rifle pôs abaixo a porta da casa. Nessa ocasião, aparece-lhe Versoli, administrador da colônia, que procura interceptar a entrada d o criminoso, sendo morto, por este.
Suspeitando das intenções do bandido, a moça tenta fugir, no que é obstada por ele, que conseguiu alcançá-la e “quase nua, pés descalços, em camisão” (diz o poeta), a desventurada Etelvina é arrastada para a densa floresta que se estendia às proximidades da casa.
Infrutíferas foram as buscas nos primeiros dias. E, somente a 8 de março, é encontrado o local em que se consumara o derradeiro ato do imenso drama, misto de amor e ódio. Os urubus, em grupos simétricos, voejavam alto, sinal evidente de que lauto fora o repasto. E, ali, o quadro pungente que a todos estarreceu: duas caveiras se defrontavam, numa evocação sinistra dos últimos instantes, de pavor e de alucinação, que viveram aquelas duas criaturas. O rifle, entre os dois esqueletos, explicava a cena final: José matara a infeliz Etelvina, suicidando-se, a seguir.
Repousam os restos mortais de Etelvina de Alencar, ou “santa Etelvina”, como é por todos reverenciada, no cemitério de São João, em sepultura perpetuada por lei municipal n.º 233, de 30 de agosto de 1901, à sombra do jazigo que o Povo Amazonense ergueu à sua memória.
E, desde antão as visitas ao seu túmulo se sucedem, ininterruptamente, durante o dia: são os devotos da meiga “santinha” que ali vão levar suas oblatas, ou acender um círio votivo pelo atendimento às suas súplicas e orações…